
"Como e estivesse com a cabeça inteira dentro d’água e alguém começasse a tocar realejo na beira do rio. Pequenas bolhas de som explodiam sem choque contra seus ouvidos, nota após nota, até formar-se também por dentro aquela melodia tão remota e lenta que parecia vir não mais da margem, mas do fundo. Onde haveria quem sabe pedras verdes de limo, peixes coloridos, conchas, estranhos vegetais entrelaçados. Movimentando cada membro ao som de cada nota, ela tentou mergulhar em direção à areia clara do fundo. Sabia a origem de cada gesto: brotava de um centro como que desperto pela nota musical e assim, musicado, o movimento irradiava-se através dos músculos, espalhando-se sem pressa na superfície da pele até atingir as pontas dos dedos que agora movia, abrindo e afastando leve a água para mergulhar."
(Caio Fernando Abreu)
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